quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CONTOS SACERDOTAIS



Contos Sacerdotais




1. Deus tem senso de humor



Pe. Robert V. Reagan


Orlando (Estados Unidos)



Chamou a Pedro, que o negaria três vezes. Chamou a Tomé, que duvidaria da sua ressurreição. Chamou a Judas, que o trairia. Também chamou a mim, o menos apto de todos para ser escolhido como pescador de homens: um velho (52 anos), divorciado e descapacitado, veterano da guerra do Vietnã. Mas já sabia que estava bem acompanhado.

Quando finalmente tive o valor de contactar com o diretor de vocações ele me disse que não perdesse meu tempo, porque a política da diocese era de não aceitar a ninguém maior de 40 anos como candidato ao sacerdócio. Disseram-me que, se acaso, com 45 anos de idade, fosse muito conhecido na diocese e tivesse muitas recomendações… Sabendo isto, voltei a contactar ao diretor de vocações e perguntei se essa política de limite de idade estava já muito bem esculpida. Então meu pároco me aconselhou falar diretamente com o bispo. Eu estava assustado. Que poderia dizer-lhe? “Prazer em conhece-lo, senhor bispo. Por certo, creio que sua politica de admissão esta saturada”. Para não fazer longa a história, falei com o bispo e tivemos uma maravilhosa conversa. No dia seguinte soube, por meio do diretor de vocações, que eu já não era tão velho como pensava. Podia ser admitido.

Enquanto avançava o processo de admissão e seleção para entrar no Seminário, muitas das pessoas encarregadas me perguntaram quais eram minhas motivações. Alguns pensavam que eu tinha mais “crise dos 50” do que vocação. Eu lhes dizia que se tivesse a crise dos 50 iria num carro esportivo vermelho com uma loira, em vez de estar buscando celibato, obediência e simplicidade de vida.

Quando fui aceito, muitos me chamavam “vocação tardia”. Nunca estive de acordo com esse conceito e sempre respondia: “nada de tardio; quando fui chamado, eu vim”.

Dado que eu nunca havia estudado nada de filosofia, teria que fazer 6 anos de estudos, com um ano de experiência pastoral. Já não tinha problemas. Eu estava disposto a qualquer coisa para chegar à Ordenação. Durante o final do quarto ano o reitor me chamou no seu escritório e me disse que acabava de falar com o bispo. Tinham decidido ordenar-me em maio. Nesse momento me podiam derrubar tocando-me como uma pluma… Eu nunca tinha pedido nem tinha esperado nenhum atalho!

Antes da minha Ordenação, aquele diretor que não quis aceitar-me ao início, me disse que pediu ao bispo que me mandasse a sua paroquia como sacerdote. Era uma paróquia peculiar porque tinha duas comunidades numa mesma igreja: uma comunidade americana e uma vietnamita. Os vietnamitas tinham seu próprio sacerdote e diácono e tinham liturgia na sua própria língua. Fui convidado a assistir aos seus atos litúrgicos e a seus eventos. Inclusive eu presidia sua Missa muitas vezes, quando seu sacerdote não estava.

Durante a guerra do Vietnã eu bombardeei quase todos os dias várias zonas do país desde um B-52. Depois de todos estes anos, Deus me deu a oportunidade de reparar algo do dano. Antes os perseguia; agora os ajudava a salvar suas almas. Esta experiência me ajudou a entender a São Paulo e ao seu zelo. Se fechou o circulo da minha vida.



2. Confessei o Diabo

Pe. Manuel Julián Quiceno Zapata

Cartago(Colômbia)




Do que vivi antes da confissão, recordo o seguinte…

Como pároco duma pequena aldeia, frequentemente, cada domingo, saia pelas ruas e aproveitava para cumprimentar as pessoas, deixando-lhes uma catequese escrita, especialmente àqueles que por diversas razoes não iam à igreja.

Naquela paróquia dedicada a São José, muitos tinham um costume que cumpriam sem faltas todo domingo, como se fosse um dever. Isto era tomar “umas geladas” – assim chamavam eles à cerveja –. Portanto, era fácil saber onde encontrar este tipo de “fiéis” e entre eles estava também ele.

Certo dia, ao terminar meu percurso, se aproxima uma senhora para perguntar-me se tinha reconhecido ao “diabo”. Segundo ela, eu o havia cumprimentado e ele tinha recebido uma das minhas mensagens que eu repartia. Eu não havia visto ao “diabo”, ou pelo menos não recordo haver visto a nenhuma nem a nenhum parecido com ele.

Noutra ocasião necessitava ir ao vilarejo vizinho para ajudar a um irmão sacerdote, mas o carro da paróquia não funcionava e por isso necessitava de alguém que me levasse.

Que grande surpresa quando, ao perguntar a algumas pessoas quem poderia me ajudar com esse serviço, imediatamente um menino me disse: “Padre, se o senhor quiser chamo o ‘diabo’ para que o leve”. Não se imaginam o que pensei naquele momento. Parecia uma brincadeira, mas logo aceitei a proposta e esse dia o vi pela primeira vez…

Por um bom tempo, guardei silêncio, pois era a primeira vez que fazia uma viagem assim. Ademais pensei: de que posso falar com o diabo? Ao pouco tempo o falei, mas parecia mais uma entrevista do que um diálogo. Esse dia, ao terminar a viagem e sem dizer nada, deixei no seu carro um escapulário da Virgem do Carmo.

Dai adiante, o via em todas as partes; já o reconhecia e, ainda que sempre o convidava à Missa, ele sempre me dizia “agora não, algum outro dia o farei, tenho minhas razões”.

O tempo passou e certo dia um menino que esperava na porta da igreja me disse que alguém necessitava urgentemente e que não queria ir-se antes de falar comigo. O menino me explicou que se tratava de um enfermo grave. Então, rapidamente busquei tudo o necessário para a visita.

Como fiquei assombrado quando, ao chegar naquele lugar, descobri que o enfermo grave que há vários dias esperava o sacerdote se chamava Ramón, aquele a quem chamavam “o diabo”; um homem do campo que havia vivido situações humanas muito difíceis. Não recordava quando nem por que lhe haviam começado a chamar assim, mas ele se tinha acostumado. Agora, prostrado numa cama, padecia de um terrível câncer e se aproximava o seu final.

Recordo muito bem o que ele me disse aquele dia: “Padre, lembra-se de mim? Sou aquele a quem chamam ‘o diabo’, mas minha alma não a deixarei a ele, mas pertence a Deus! Por favor, pode me confessar?”

Foi um momento muito especial, mas ainda quando vi o que apertava nas suas mãos enquanto se confessava: um escapulário; precisamente aquele que eu havia deixado no seu carro. Agora ele o portava no seu viagem à eternidade. Logo, naquela casa também pude ver uma folha sobre a confissão, uma daquelas que eu mesmo lhe havia dado algum domingo ao meio-dia.

E esse dia todo o vilarejo comentava e também eu o pensava: “confessei o diabo!”



3. Gerados pelo Batismo

Pe. José Rodrigo Kópez Cepeda, MSpS

Guadalajara (México)


Visitando minha cidade natal, cedi ao pedido da minha mãe de ir a ver uma amiga sua internada no hospital. Estando no quarto da enferma, se aproximou de mim uma enfermeira e me perguntou se eu poderia ver a um ancião sacerdote que estava muito grave. Sem indagar mais me despedi da amiga da minha mãe e me dirigi à terapia intensiva, onde estava meu irmão no sacerdócio.

Ao entrar foi muito grande minha surpresa pois aquele ancião sacerdote, certamente em estado muito grave, era o sacerdote que me tinha batizado. Estava inconsciente. Apresentei-me à pessoa que cuidava dele que começou a chorar quando eu lhe disse que tinha sido batizado por aquele sacerdote.

E então me disse: “Padre… o senhor pároco soube da sua Ordenação sacerdotal lá na Espanha e dizia que não queria morrer sem ver seu filho sacerdote, pois ele lhe havia gerado à fé pela água do batismo”. E ali estava eu ungindo e apresentando ao Senhor a esse servo fiel que me tinha presenteado a graça que agora me permitia de abençoá-lo.

Este fato marcou minha vida sacerdotal, pois eu também estou chamado a gerar à vida de fé a muitos pelo batismo e ainda mais por minha forma de viver a fé. Não sei quantos dos que eu batizei tenha chamado Deus a servir-lhe, mas desde então, cava vez que apresento um menino na pia batismal faço um pedido no meu interior: “Que o dia de amanha, Senhor, um desses me ajude a ir ao teu encontro”.



4. Com Deus tudo é possível

Pe. Hung Phuoc Lam, OP

Saigón (Vietnam)




“Eu te batizo no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Estas são as palavras que todo ministro usa ao batizar. Mas para mim tem um significado muito especial, porque eu batizei o meu próprio pai.

Nasci numa família pagã-católica. Meu pai venerava aos seus antepassados e minha mãe era católica; minha tia era budista, mas mesmo assim fui batizado quando era bebê. Meu pai era muito severo e proibia minha mãe de ir à Igreja – e portanto também estava proibido para mim -. Talvez a razão era que, numa ocasião, seu táxi quebrou e teve que deixa-lo diante da Igreja para consertá-lo e então veio o sacerdote e o repreendeu. Desde então se encheu de preconceitos contra os sacerdotes e contra a Igreja e o resultado inevitável era esta proibição aos membros da minha família.

Também houve outro incidente relacionado com isso. Aqui quando chove, diluvia. Um dia, durante um forte aguaceiro, ele e sua família se refugiaram numa igreja, mas uma freira os expulsou porque não queria que sujassem o templo. Desde então a fé na Igreja perdeu todo o valor para ele.

Só posso dizer que esta situação era muito triste. Eu segui confiando em Deus e rezando. Pedia-lhe que mudasse o coração do meu pai, custasse o que custasse. Não exclui meu próprio chamado. E foi assim como ele quis responder.

Deus me chamou à ordem dominicana. Tinha 26 anos. Meu pai não aceitou minha vocação. Foi então quando entendi as palavras do Evangelho: “Não vim trazer a paz, mas sim a espada” (Mt. 10, 35-36). De fato, não sabia que responder quando meu pai me disse: “te proíbo ser católico e agora queres ser sacerdote católico! Não percebes como são os sacerdotes e as freiras?” Tomou uma atitude indiferente em relação a mim e quase me abandonou. De todos os modos, eu seguia adiante, em silêncio, confiando em Deus. E todos os dias rezei por ele com minha mãe.

Dias, meses e anos passaram. Deus mudou meu pai e o fez de verdade. Ele aceitou minha vocação quando presenciou a profissão dos meus primeiros votos. Logo fiz meus votos finais na ordem dominicana. Participou na celebração e gradualmente foram desaparecendo seus preconceitos contra a Igreja. Antes da minha Ordenação lhe disse que gostaria muito que deixasse a minha mãe ir à Igreja. Ele aceitou e minha mãe exultava de felicidade; depois de 33 anos poderia finalmente praticar sua fé. Foi uma grande alegria o dia da minha Ordenação, pois a paz regressou a minha família. Recebi aquilo que pensava ter perdido. Na minha Ordenação meu pai reconheceu: “Fui derrotado por Deus; não lhe posso tirar meu filho. Meu filho é um sacerdote. Está decidido; é um fato”.

Quatro anos depois algo maravilhoso sucedeu. Meu pai expressou o desejo de ser cristão e lhe batizei em 2006. Batizei a muita gente, mas jamais me esquecerei o momento em que batizei a meu pai.

Deus derrotou meu pai. O Senhor fez grandes coisas por minha família: eu era um jovem normal numa família pagã e agora sou sacerdote: meu pai passou de perseguir a fé a ser um bom pai católico.

Tudo isso foi obra de Deus. Tudo para sua glória. Deu-me mais do que eu lhe pedi durante mais de 20 anos de oração silenciosa e perseverante. Ele, com seu poder, fez milagres em coisas normais. Senti-me muito inspirado pelo exemplo de oração silenciosa e perseverante de Santa Mônica. Deus me usou como instrumento para sua glória e para a salvação dos demais. Com Deus tudo é possível.


Tradução ao português: Pe. Anderson Alves


Fonte: http://www.presbiteros.com.br

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