Advento 2011
“A luz resplandece
nas trevas, e as trevas não a compreenderam” João 1,5
A todos os
membros da Família vicentina,
Que a graça e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo preencha os seus corações
agora e para sempre!
A citação Bíblica acima, do Evangelho de São João, convém para começarmos
nossa meditação do Tempo do Advento. Este período do ano é o momento onde
muitos, no mundo, passam de longos dias ensolarados a dias mais curtos e mais
escuros. O fim do ano se aproxima, e nos oferece uma pausa para refletir não
somente o que se passou, mas também o que nos espera. A realidade desta mudança
é palpável tanto no tempo que passa através dos dias do calendário, como também
no que vivemos no mais profundo de nós, em nossos corações.
Acredito que esta é a razão pela qual a Igreja nos concede este tempo do
Advento: este tempo de mudança lembra-nos a fidelidade do amor de Deus. Através
da Encarnação de Jesus, Deus nos assegura sua constante presença em nosso
mundo. Em Jesus, temos um Deus que nos acompanha sempre, tanto nos momentos de
luz como nos momentos de trevas, tanto no centro de nossas vidas como em suas
fronteiras incertas. No entanto, é frequentemente nas fronteiras, nos “limites
externos” de nossa vida, que o Senhor se revela à nós.
As narrativas do Advento nos mostram vidas vividas nas fronteiras : a surpreendente
anunciação feita à Maria para ser a mãe do Senhor ; a nobre luta de José
para aceitar esta impressionante realidade ; o nascimento de Jesus na
simplicidade de um estábulo ; a humilde homenagem dos pastores ; o
desenraizamento repentino da Sagrada Família para escapar da cólera e das mãos
de Herodes; todas estas narrativas do Advento nos mostram um Deus, que,
centrado no amor trinitário, “aniquilou-se a si mesmo” (Fl 2, 7), tornando-se
homem. Escolhendo viver nas fronteiras, Jesus nos faz entrar no Reino de Deus e
nos aproxima paradoxalmente do coração do amor de Deus.
Como Superior geral, tenho o privilégio e a responsabilidade de visitar
meus coirmãos Lazaristas, as Filhas da Caridade e os membros da Família
Vicentina Internacional para propagar o carisma de São Vicente de Paulo. Ao
fazer isso, ofereço o meu apoio e o meu encorajamento àquelas e àqueles que
deixaram a segurança e a estabilidade de seu mundo para ir às fronteiras e aos
limites exteriores servir os pobres. Estou edificado com muitos dos meus
coirmãos, muitas Filhas da Caridade e membros da Família Vicentina que penetram
corajosamente nos cantos escuros de nosso mundo para iluminá-los com a luz do
Cristo. Permitam-me partilhar alguns exemplos da maneira como eles vivem seu
caminho até o Advento de luz e de esperança.
Na República do Chade, um dos países mais pobres da África, as Filhas da
Caridade da Espanha trabalham com os Lazaristas dos Camarões, de Madagascar e
do Quênia, servindo em uma região rural afastada, sem nenhuma presença da
Igreja. Sua “igreja missão” é um estrado de madeira coberto com uma tenda
improvisada, protegida por grandes mangueiras. Nesta região esquecida, eles
levam Jesus e o nosso carisma às pessoas para apaziguar a fome e saciar a sede
através da Palavra de Deus e a caridade de Cristo.
No Reino Unido, encontrei os “Vicentinos em Parceria”, uma associação de
prestadores de serviços para os pobres, constituída por dez organismos centrais
e treze grupos integrantes. Nós rezamos, refletimos e discutimos os meios para adequar
e comunicar o carisma vicentino de amor a Deus e do serviço dos pobres. Eles trabalham
nas cidades com os pobres, jovens desabrigados, doentes mentais e toxicômanos;
em suma, com aquelas e aqueles que vivem à margem da sociedade. Sua proximidade
para cuidar destas pessoas e manifestar-lhes a compaixão vai além de suas
fronteiras, chegando até na Irlanda, no Leste Europeu e nos Estados Unidos.
Aqui está o endereço do site que relata sua história: http://www.vip-gb.org
Após um voo de oito horas saindo de Moscou, cheguei à Magadan na Rússia, um
lugar que geograficamente parece ser o fim do mundo. Esta missão é realizada
por Filhas da Caridade vindas dos Estados Unidos e da Polônia. Ao chegar em
Magadan, fui transportado para o mundo esquecido dos campos de prisioneiros e
encontrei pessoas que, por décadas, foram objetos de tratamentos desumanos. Na
época de Stalin, Magadan era a destinação final de centenas de milhares de
cidadãos soviéticos, rotulados como “inimigos do povo”.
As Filhas da Caridade acompanham os sobreviventes que são denominados “os
reprimidos” dos campos de prisioneiros e participam de suas recuperação
ajudando-os a “recontar suas histórias”. Com a presença da única Igreja
Católica da região, estes ex-prisioneiros têm agora uma comunidade de fé
acolhedora. A beleza da Igreja da Natividade, com sua capela dos mártires, reverencia
o número incalculável e jamais revelado de pessoas que pereceram nos campos de
prisioneiros e as histórias vivenciadas por aqueles que sobreviveram. Vocês
podem conhecer esta Igreja através do site: http://magadancatholic.org
Cada uma destas três experiências – no Chaude, com os “Vicentinos em
Parceira” e em Magadan – têm um lugar em meu coração neste tempo em que
celebramos o Advento. Elas nos lembram que a luz do Cristo venceu as trevas de
um mundo repleto de pecado e de sofrimento. Os quatro Evangelhos do domingo do
Advento nos ajudam a centrar nossa atenção sobre o que é essencial para sermos
discípulos no seguimento do Cristo : “vigiar na espera do Cristo” (Mc 13,
33), “preparar o caminho do Senhor” (Mc 1, 2); confiantes que “nada é
impossível para Deus” (Lc 1, 37) e “dar testemunho da luz” (Jo 1, 7). Juntas,
estas passagens evangélicas nos dão uma receita para colocar nossa fé em ação
ao longo de todo o ano.
Este caminho do Advento feito de vigilância, de entusiasmo e de confiança que
testemunha a fé evangélica foi o pivô da vida de São Vicente de Paulo, que
encontrou o Cristo lá, onde ele menos o esperava: nas fronteiras, nos “limites
externos” de sua vida. Nestas duas experiências bases de conversão: escutando a
confissão de um homem doente e exortando com sucesso seus paroquianos para dar
alimento e medicamentos a uma família extremamente doente; conduziram Vicente
ao Cristo nos pobres. Uma vez que ele entrou neste mundo dos pobres, sua vida
foi transformada. A partir desse momento, ele se organizou e inspirou aos seus
discípulos a fazerem o mesmo:
“Não detenhais a vossa vista naquilo
que vós sois, mas olhai Nosso Senhor, junto a vós e em vós, pronto para pôr mãos
à obra tão logo recorrais a Ele; e vereis que tudo irá bem” (SV, Coste III,
a Luís Rivet, padre da Missão, em Richelieu, em 19 de Dezembro de 1646, p. 133)
Preparando o nosso coração e nossa casa para a vinda do Senhor no Natal,
deixemos as palavras de Jesus e o carisma de São Vicente de Paulo ressoar mais
profundamente em nossos corações e em nossas vidas. As narrativas do Advento e
do Natal nos lembram de uma maneira impressionante Aquele que nasceu, viveu e
morreu nas fronteiras. O Evangelho de João nos lembra de forma muito comovente
que Jesus “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1,11).
Isto é verdade para a Sagrada Família, muitas vezes, representada em quadros e
imagens piedosos como calma e serena, ela seguiu, na realidade, o caminho dos
refugiados, pobres e errantes.
Esta triste realidade continua até hoje. O Cristo que era pobre, viveu
entre os pobres que possuíam apenas as roupas do corpo, que não tinham nem
alimento, nem abrigo e eram privados da dignidade humana. Portanto, como São
Vicente diz, os pobres possuem a “verdadeira fé”, como podemos constatar em sua
confiança inabalável e constante em Deus. Suas vidas e aquelas dos membros da
Família vicentina que os acompanham nos falam diariamente do Advento da
esperança.
Durante estas semanas do Advento, sugiro que cada um de nós reserve tempo, frente
a nossa intensa programação, para meditar sobre a Escritura e a vida de São
Vicente, para que sejamos discípulos de Jesus “vigilantes, entusiastas,
confiantes e que testemunham” o que é fundamental para nossa vocação, como
membros da Família Vicentina. Ao reservar tempo para encontrar o Senhor na
oração, na Escritura e na Eucaristia, teremos a coragem, como o fez São
Vicente, de pedir ao Senhor que nos encaminhe para os pobres, que passam muitas
vezes desapercebidos na margem de nossas vidas. Agindo assim entraremos em
solidariedade com eles, como nossos Irmãs e Irmãs em Cristo.
Permitam-me concluir com uma imagem profunda e apropriada para o Advento.
Como lhes disse anteriormente, a Igreja da Natividade em Magadan oferece uma
comunidade de cura e de esperança para os ex-prisioneiros do campo soviético e
para os pobres. Esta pequena Igreja é um colírio para os olhos, com sua capela
dos mártires, simbólica e surpreendente, suas estações da via-sacra, seus
vitrais impressionantes e sua iconografia são tão marcantes que não se pode
esquecer. No entanto, o ícone da Natividade (que está impresso no começo desta
carta) acima do altar é o que mais impressiona quando se entra na Igreja. O
lugar onde está colocado é, sem dúvida, o mais apropriado do ponto de vista
litúrgico.
Mas, para mim, este ícone representa muito mais. Ele nos mostra como o
nosso ser de discípulo com Jesus e o carisma vicentino testemunham o poder e a
presença de Deus em nosso mundo atual. Apesar do passado mortal de Magadan, o
ícone e a Igreja da Natividade confirmam que o Cristo nasce novamente. A Igreja
da Natividade e todas as obras da Família Vicentina Internacional são para nós recordações
vivas e quotidianas que “a luz resplandece nas trevas, e as trevas não
a compreenderam”.
Que o Senhor nasça novamente em vocês neste Natal e os abençoe neste ano
que se aproxima!
Seu Irmão em São Vicente
G. Gregory Gay, C.M.
Superior
geral
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