Abertos à esperança e firmes na fé
Sobre o Salmo 126 (125)
CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 13 de outubro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, a catequese que o Papa Bento XVI dirigiu ontem aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro para a audiência geral.
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Queridos irmãos e irmãs:
Nas catequeses anteriores, meditamos sobre alguns salmos de lamento e de fé. Hoje, eu gostaria de refletir com vocês sobre um salmo de tipo festivo, uma oração que, na alegria, fala das maravilhas de Deus. É o Salmo 126 – segundo a numeração greco-latina, o 125 –, que celebra as grandes coisas que o Senhor realizou no seu povo e que continuamente realiza em todos os crentes.
O salmista, em nome de todo Israel, começa sua oração recordando a experiência exultante da salvação:
“Quando o Senhor restabeleceu a sorte de Sião, / pensamos que era um sonho. / Então nossa boca transbordava de sorrisos / e nossa língua cantava de alegria.” (vv. 1-2a)
O salmo fala de uma sorte restabelecida, isto é, restituída ao seu estado original, em toda a sua anterior positividade. Ou seja, parte-se de uma situação de sofrimento e de necessidade à qual Deus responde sendo a salvação e levando o orante à condição anterior, inclusive enriquecida e melhorada. É o que acontece com Jó, quando o Senhor lhe devolve tudo o que havia perdido, redobrando-lhe e ampliando uma bênção ainda maior (cf. Jó 42,10-13); é o que o Povo de Israel experimenta quando volta à sua pátria após o exílio na Babilônia. É justamente a referência ao fim da deportação em terra estrangeira o que se interpreta neste salmo: a expressão “restabelecer a sorte de Sião” é lida e compreendida pela tradição como um “trazer de volta os exilados de Sião”. De fato, o retorno do exílio é o paradigma de toda intervenção divina de salvação, porque a queda de Jerusalém e a deportação à Babilônia foram experiências devastadoras para o povo escolhido, não só no âmbito político e social, mas também e sobretudo no campo religioso e espiritual. A perda da terra, o final da monarquia davídica e a destruição do Templo parecem um desmentido das promessas divinas, e o povo da aliança, disperso entre os pagãos, interroga-se dolorosamente sobre um Deus que parece tê-lo abandonado. Por isso, o final da deportação e o retorno à pátria são vivenciados como um maravilhoso retorno à fé, à confiança, à comunhão com o Senhor; é um “restabelecimento da sorte” que implica também na conversão do coração, no perdão, na amizade reencontrada com Deus, na conscientização da sua misericórdia e na renovada possibilidade de louvá-lo (cf. Jr 29,12-14; 30,18-20; 33,6-11; Ez 39,25-29). Trata-se de uma experiência de alegria abrumadora, de sorrisos e de gritos de júbilo, tão bela que “pensamos que era um sonho”. As intervenções divinas têm, muitas vezes, formas inesperadas, que vão além do que o homem pode imaginar; daqui a maravilha e o júbilo que se expressam no louvor: “Maravilhas o Senhor fez por nós”. É o que dizem as nações e o que Israel proclama:
“Então se comentava entre os povos: / 'O Senhor fez por eles maravilhas'. / Maravilhas o Senhor fez por nós, / encheu-nos de alegria!”(vv. 2b-3).
Deus faz maravilhas na história dos homens. Realizando a salvação, revela-se a todos como Senhor potente e misericordioso, refúgio do oprimido, que não se esquece do lamento dos pobres (cf. Sl 9,10.13), que ama a justiça e o direito e de cujo amor está cheia a terra (cf. Sl 33,5).
Por isso, diante da libertação do povo de Israel, todos os povos reconhecem as coisas grandes e estupendas que Deus realiza para o seu povo e celebram o Senhor em sua realidade de Salvador. Israel se faz eco da proclamação das nações e a repete, mas como protagonista, como destinatário direto da ação divina: “Maravilhas o Senhor fez por nós”; “por nós” ou, mais precisamente, “conosco”, em hebraico ‘immanû, afirmando assim esta relação privilegiada que o Senhor tem com seus escolhidos e que encontrará no nome Emmanuel, “Deus conosco”, com o qual se conhece Jesus, seu cume e sua plena manifestação (cf. Mt 1,23).
Queridos irmãos e irmãs, na nossa oração, devemos considerar mais frequentemente como, nos acontecimentos da nossa vida, o Senhor nos protegeu, guiou, ajudou e, assim, louvá-lo por tudo o que fez por nós. Devemos estar atentos às coisas que Deus nos dá. Estamos sempre pendentes dos problemas, das dificuldades e quase não queremos perceber as coisas boas que vêm do Senhor. Esta atenção, que se converte em gratidão, é muito importante para nós e nos cria uma lembrança do bem que nos ajuda também nas horas de escuridão. Deus realiza grandes coisas e quem experimenta isso – atento à bondade do Senhor, com a atenção do coração – está repleto de alegria. Com esta nota festiva termina a primeira parte do salmo. Ser salvos e voltar à pátria do exílio é como voltar à vida; a libertação abre ao sorriso, mas junto à esperança de um cumprimento que ainda é preciso desejar e pedir. Esta é a segunda parte do salmo, que diz assim:
“Traze de volta, Senhor, nossos exilados, / como torrentes que correm no Negueb! / Quem semeia entre lágrimas colherá com alegria. / Quando vai, vai chorando, levando a semente para plantar; / mas quando volta, volta alegre, trazendo seus feixes.”(vv. 4-6)
Se, no começo da oração, o salmista celebrava a alegria de um destino restabelecido pelo Senhor, agora o pede como algo que não se realizou ainda. Se aplicarmos este salmo à volta do exílio, esta aparente contradição se explicará com a experiência histórica, vivida por Israel, de volta a uma pátria difícil, só parcial, que induz o orante a solicitar uma posterior intervenção divina para levar à plenitude a restauração do povo.
Mas o salmo vai além do dado puramente histórico para abrir-se a dimensões mais amplas, de tipo teológico. A experiência consoladora da libertação da Babilônia está inacabada, “já” acontecida, mas “ainda não” chegou à sua plenitude. Assim, enquanto na alegria se comemora a salvação recebida, a oração se abre à esperança de uma plena realização. Por isso, o salmo utiliza imagens particulares que, com sua complexidade, remetem à realidade misteriosa da redenção, na qual se entrelaçam o dom recebido e o que ainda não chegou, vida e morte, alegria sonhadora e lágrimas penosas. A primeira imagem faz referência aos torrentes secos do Negueb, que, com as chuvas, se enchem de águas impetuosas que devolvem a vida ao terreno seco e o fazem reflorescer. A petição do salmista é, portanto, que o restabelecimento do destino do povo e a volta do exílio sejam como a água, abrumadora e imparável, capaz de transformar o deserto em uma imensa região de erva verde e flores.
A segunda imagem vem das colinas áridas e rochosas do Negueb aos campos que os agricultores cultivam para obter o alimento. Para falar de salvação, recorda-se aqui a experiência de cada ano que se renova no mundo agrícola: o momento difícil e fatigoso da semeadura e a alegria tremenda da colheita. Uma semeadura que se acompanha com lágrimas, porque se tira o que ainda poderia se converter em pão, expondo-se a uma espera cheia de inseguranças: o camponês trabalha, prepara o terreno, espalha a semente, mas, como tão bem ilustra a parábola do semeador, não se sabe onde esta semente cairá, se os pássaros a comerão, se dará raízes, se se tornará uma espiga (cf. Mt 13,3-9; Mc 4,2-9; Lc 8,4-8). Espalhar a semente é um gesto de confiança e de esperança; é necessário o trabalho do homem, mas depois se entra em uma espera imponente, sabendo que muitos fatores serão determinantes para o bom resultado da colheita e que o risco de um fracasso está sempre presente. Mas, todos os anos, o camponês repete seu gesto e lança a sua semente. Quando esta se converte em espiga e os campos se enchem de messe, então aparece a alegria de quem está diante de um prodígio extraordinário. Jesus conhecia bem esta experiência e falava dela com os seus: “Jesus dizia-lhes: 'O Reino de Deus é como quando alguém lança a semente na terra. Quer ele esteja dormindo ou acordado, de dia ou de noite, a semente germina e cresce, sem que ele saiba como'.” (Mc 4,26-27). É o mistério escondido da vida, são as maravilhosas “coisas grandes” da salvação que o Senhor realiza na história dos homens e cujo segredo os homens ignoram. A intervenção divina, quando se manifesta em plenitude, mostra uma dimensão abrumadora, como os torrentes do Negueb e como o grão dos campos, evocador, este último, da desproporção típica das coisas de Deus: desproporção entre o cansaço da semeadura e a imensa alegria da colheita, entre a ansiedade da espera e a visão tranquilizadora dos celeiros cheios, entre as pequenas sementes lançadas na terra e a visão das gavilhas douradas pelo sol. Na colheita, tudo se transforma, o pranto acaba, deixa seu lugar a gritos de alegria exultante.
A tudo isso se refere o salmista para falar da salvação, da libertação, do restabelecimento da sorte, do retorno do exílio. A deportação à Babilônia, como toda situação de sofrimento e de crise, com sua escuridão dolorosa feita de dúvidas e de aparente distância de Deus, na verdade, diz o nosso salmo, é como uma semeadura. No mistério de Cristo, à luz do Novo Testamento, a mensagem se torna mais explícita e clara: o crente que atravessa essa escuridão é como o grão de trigo que cai na terra e morre, mas para dar muito fruto (cf. Jo 12,24); ou, retomando outra imagem querida por Jesus, é como a mulher que sofre com as dores do parto para poder chegar à glória de ter dado à luz uma vida nova (cf. Jo 16,21).
Queridos irmãos e irmãs, este salmo nos ensina que, na nossa oração, devemos permanecer sempre abertos à esperança e firmes na fé em Deus. Nossa história, ainda que marcada muitas vezes pela dor, pelas inseguranças e momentos de crise, é uma história de salvação e de “restabelecimento do destino”. Em Jesus termina o nosso exílio, toda lágrima se enxuga no mistério da sua Cruz, da morte transformada em vida, como o grão de trigo que se destrói na terra e se torna espiga. Também para nós, esta descoberta de Jesus é a grande alegria do “sim” de Deus, do restabelecimento do nosso destino. Mas como aqueles que – voltando da Babilônia, repletos de alegria – encontraram uma terra empobrecida, devastada, como também as dificuldades da semeadura fazem chorar os que não sabem se no final haverá colheita, assim também nós, depois da grande descoberta de Jesus Cristo – nossa vida, caminho e verdade –, entrando no terreno da fé, na “terra da fé”, encontramos frequentemente uma vida escura, dura, difícil, uma semeadura com lágrimas, mas seguros de que a luz de Cristo, no final, nos dá uma grande colheita. Devemos aprender isso também nas noites escuras; não esquecer que a luz está aí, que Deus já está no meio das nossas vidas e que podemos semear com a grande confiança de que o “sim” de Deus é mais forte do que todos nós. É importante não perder esta lembrança da presença de Deus na nossa vida, esta alegria profunda de que Deus entrou na nossa vida, libertando-nos: é a gratidão pela descoberta de Jesus Cristo, que veio a nós. E esta gratidão se transforma em esperança, é estrela da esperança que nos dá a confiança, é a luz, porque as dores da semeadura são o início da nova vida, da grande e definitiva alegria de Deus.
Obrigado!
[No final da audiência, Bento XVI saudou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:
O Salmo 126 celebra as grandes coisas que o Senhor operou a favor do povo de Israel, e mais concretamente a sua libertação do cativeiro de Babilônia e o regresso a Sião. Trata-se duma experiência tão bela que lhes «parecia viver um sonho». As intervenções do Senhor tomam, por vezes, formas inesperadas e proporções tão grandiosas que ultrapassam quanto podemos imaginar, suscitando o júbilo e a admiração: «Grandes coisas fez por nós o Senhor»! E, enquanto celebram com «expressões de alegria» a salvação recebida, a oração abre-se à súplica pelo restabelecimento completo da sorte do povo de Deus. Em Jesus, no mistério da Cruz, a morte foi transformada em vida, como o grão de trigo que se desfaz na terra para ressurgir espiga. Que o Senhor nos conceda caminhar com Ele para a Casa do Pai, nossa verdadeira Pátria, cantando as suas maravilhas em nossas vidas, como Maria: «O Todo-Poderoso fez em Mim maravilhas: Santo é o seu nome»!
Saúdo os diversos grupos de peregrinos vindos do Brasil e demais participantes de língua portuguesa, cujos passos e intenções confio à Virgem Maria. Este mês de Outubro convida-nos a perseverar na reza diária do terço; que, desta forma, as vossas famílias se reúnam com a nossa Mãe do Céu, para cooperarem plenamente com os desígnios de salvação que Deus tem sobre vós. Com afeto concedo-vos, a vós e aos vossos familiares, a minha Bênção Apostólica.
[Tradução: Aline Banchieri. / ©Libreria Editrice Vaticana]
Fonte: Site Zenit.
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