S. Cirilo e S. Metódio
CATEQUESES MISTAGÓGICAS DE SÃO CIRILO DE JERUSALÉM
PrefácioA obra catequética de S. Cirilo de Jerusalém compõe-se de 2 Catequeses. No presente volume apresentamos as Catequeses Mistagógicas. Deixamos para um próximo volume a Catequese Preli-minar e as 18 Catequeses Pré-batismais. Publicamos em primeiro lugar as Catequeses Mistagógicas não só pela importância das mesmas, mas por constituírem uma unidade de doutrina que nos abre as portas para uma melhor compreensão e aproveitamento das demais Catequeses.As Catequeses de S. Cirilo são consideradas como sendo a coleção catequética, após a de Agostinho, a mais completa que a Antigüidade nos legou. Através delas podemos apreciar o con-teúdo de tudo quanto constituía a educação religiosa ministrada aos que se convertiam ao Cristianismo. O Credo, detalhadamente comentado, é tido como uma jóia preciosa do tesouro teológico da Igreja Primitiva. Nas Catequeses Pré-batismais o Credo, muito semelhante ao Credo Niceno-constantinopolitano, nos é transmitido com comentários e interpretações próprias da época. Nas Catequeses Mistagógicas é o culto cristão: Batismo, Confirmação, Celebração Eucarística, com o respectivo rito, que é explicado. Pelas Catequeses temos acesso ao anúncio da fé da Igreja Primitiva e às manifestações culturais desta fé.A tradução de toda a obra catequética foi feita por fr. Frederico Vier, O.F.M. Durante os últimos anos de sua vida, ele consagrou as horas que lhe sobravam do cansativo trabalho de Revisor e Vice-Diretor da Editora Vozes a este trabalho de tradução das Catequeses de S. Cirilo. É a ele que dedicamos esta obra como expressão de uma vida de dedicação incansável e de perseverança inexaurível. Era com amor que o víamos horas a fio tentando descobrir a melhor expressão, o termo mais apropriado para designar o pensamento do bispo de Jerusalém. A experiência de anos na revisão de textos e manuscritos o tornou sensível às sutilezas da língua e solidificou seu desejo de fidelidade ao autor. Infelizmente, a morte o colheu antes que tivesse concluído a obra. Coube-nos, com a colaboração de fr. Salésio Hillesheim, O.F.M., concluí-la.Petrópolis, 21 de agosto de 1976. Frei Fernando A. Figueiredo, O.F.M.Introdução1. Dados biográficosNo ano 348 tornou-se Cirilo bispo da cidade de Jerusalém, onde provavelmente nasceu por volta do ano 315. Fora em 345 ordenado sacerdote por Máximo II, a quem sucederia após sua morte ou deposição levada a efeito pelos eusebianos. Muito depressa Acácio, metropolita da Província e um dos chefes dos eusebianos, investe contra Cirilo, defensor da fé de Nicéia. Seguem-se acusações mútuas acerca da fé de cada um. Cirilo é exilado por três vezes em uma situação parecida à de S. João Crisóstomo com Teófilo de Alexandria.Em 358/9 o concílio de Seleucia o restabelece em sua sé episcopal. No ano seguinte será desterrado por ordem do Imperador Constâncio, movido por Acácio e seguidores. Ele permanece no desterro até 362, quando é favorecido pela anistia geral proclamada por Juliano. Porém, em 367, apesar da morte de Acácio, ele volta ao exílio até que, em 378, Graciano decreta a suspensão do desterro para todos os bispos católicos. Em 381 encontramo-lo entre os padres conciliares do primeiro Concílio de Constantinopla. A liturgia ocidental e oriental comemora no dia 18 de março a sua morte, que deve ter-se dado no ano de 387.É necessário distinguir em Cirilo o teólogo e a testemunha da fé e da Tradição cristã, de modo geral, e da Igreja de Jerusalém, em particular. Como teólogo ele não apresenta a profundidade doutrinal dos Padres da segunda metade do século IV, defensores da ortodoxia, como S. Atanásio e S. Hilário ou teólogos como Basílio e os demais Padres Capadócios que marcarão o pensamento teológico, influenciando as gerações futuras. Mas é uma valiosa testemunha da Tradição antiga e eco da fé católica professada em Nicéia e, mais tarde, no primeiro Concílio de Constantinopla.2. Caracterização da épocaUma rápida visão da época em que viveu Cirilo ajudar-nos-á a melhor apreender o motivo que subjaz a muitos ditos seus ao longo de suas obras. No século II a Igreja se vê diante de correntes religiosas que se esforçam para exercer uma espécie de sedução sobre os homens de seu tempo: a gnose e as religiões de Mistério. O gnosticismo continuará presente nos séculos posteriores sob formas diversas, sendo combatido por Justino, Santo Ireneu, Tertuliano e o autor dos Philosophumena. Localizar-se-á, sobretudo, no Egito e na Síria. A gnose fala de uma centelha divina no homem, o qual, provindo do reino divino, caiu neste mundo. Aqui o homem se encontra submisso ao destino, ao nascimento, à morte e tem necessidade de ser despertado por seu arquétipo celeste ao qual ele finalmente se reunirá. Esta libertação se dá pelo conhecimento (gnose), que consiste essencialmente em conhecer-se, melhor, se reduz à necessidade de reconhecer o elemento divino que constitui o verdadeiro «eu». Liberta-se assim de todos os «poderes» que o retêm no «profano» e no erro.Ao mesmo tempo que tais correntes angariavam adeptos, no interior da Igreja se assistia ao surgimento de doutrinas anti-trinitárias. Incapazes de admitir a diversidade de Pessoas na uni-dade de uma e mesma Natureza divina, negavam alguns a divindade do Cristo reduzindo-o a um simples homem dotado de extraordinários poderes e virtudes (dinamistas), ou explicavam sua personalidade como mera modalidade da de Deus Pai (modalistas, patripassianos). Em relação ao Filho, temos Noeto e Práxeas; em relação ao Espírito Santo, temos Sabélio.Daí à doutrina sustentada por Ario, sacerdote da Igreja de Alexandria, seria um passo. Logo após a vitória sobre Licínio, Constantino, único imperador, escreve a Alexandre, bispo de Alexandria, para que ele se ponha de acordo com Ario. Alexandre se escandalizara com as posições cristológicas de seu sacerdote Ario, que, de mil maneiras, mesmo através de cânticos populares, ensinava que o Cristo não é verdadeiramente Deus. Em uma carta a Eusébio de Nicomedia, Ario expõe sua posição: «Ele (o Cristo) começou a existir por um ato de vontade. Antes de ser gerado Ele não era». Tal discussão culminará com o primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, em 325, onde se proclamará, contra o arianismo, a divindade do Filho e sua consubstancialidade (homo-ousía) com o Pai.A luta ariana (318-381) coincide com a vida de S. Cirilo e caracteriza este período. Concílios e sínodos, fórmulas e mais fórmulas de fé, mútuas condenações constituem a tecedura desta luta. Para aumentar a confusão dos fiéis, surgiram, dentro das correntes heterodoxas, outras com matizes diversos, uma mais extremada, a dos anomeus, outra mais mitigada; a dos semi-arianos ou homoioúsios. A muitos faltavam serenidade e magnanimidade, deixando-se envolver em intrigas e mesmo fraudes e violências.Em meio a tal situação se destacam a ousadia e a sobriedade, a profundidade e a mente esclarecida de um Basílio Magno, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, Cirilo de Alexandria e outros. S. Cirilo em suas catequeses alerta os fiéis não só contra as afirmações anticristãs provindas do meio gentílico ou judaico, mas também contra as asserções heréticas. Enumera os vícios dos deuses adorados pelos pagãos, assim como de seus adoradores. Busca no A.T. anúncios e prefigurações do N.T., em oposição aos judeus, e mostra a unidade de ambos os Testamentos, o que era rejeitado pelos gnósticos. Levanta-se contra os hereges, cujas obras ele diz ter lido: «Estas coisas, fala Cirilo, estão nos livros dos maniqueus, eu as li, porque não cria nos que me falavam delas; e as examinei cuidadosamente para segurança vossa e ruína dos outros». 2Muito se escreveu sobre o fato de Cirilo jamais empregar o termo homooúsios: consubstancial. Todavia, a simples leitura de suas catequeses nos mostra um Cirilo preocupado em ser o mais simples possível, evitando sempre que possível o emprego de termos teológicos. Ele tem diante de si pessoas pouco versadas em doutrina cristã, às quais deseja transmitir de modo acessível e com proveito suas instruções. Daí o fato de ele expor a doutrina em uma terminologia fundamentalmente bíblica. Ademais, o termo homooúsios foi compreendido por alguns em um sentido sabeliano, que Cirilo tantas vezes combate.3. Particularidades da Igreja de JerusalémAtravés das próprias catequeses de S. Cirilo podemos ter uma idéia da Igreja de Jerusalém. O costume da catequese era cuidadosamente observado em Jerusalém. Se em outras Igrejas a exposição do Credo se resumia a duas, três ou mais apresentações, em Jerusalém se lhe dedicava todo o tempo da Quaresma. Compreende-se o motivo pelo qual o conjunto das catequeses nos oferece todo um sistema doutrinário. Na Catequese Preliminar ele nos faz ver a importância conferida a esta ação catequética: «Aprende o que ouves e guarda-o para sempre. Não creias serem estas homilias habituais. Também elas são boas e dignas de fé». 3Cirilo pronuncia as catequeses na Igreja da Ressurreição e na Capela do Santo Sepulcro. Para que alguém fosse admitido ao catecumenato exigia-se, segundo menciona Eusébio, a imposição das mãos e a oração. O primeiro Concílio de Constantinopla (381) nos fala dos exorcismos e da insuflação, feitos em três dias consecutivos. No primeiro dia, diz o Concílio, fazemo-los cristãos; no segundo catecúmenos; no terceiro os exorcizamos, soprando por três vezes o rosto e os ouvidos e assim os catequizamos. 4 São Cirilo se refere expressamente aos exorcismos 5, os quais são recebidos com a face coberta com um véu: «O teu rosto foi coberto com um véu, a fim de que todo o teu pensamento não estivesse disperso, e o olhar, divagando, não fizesse vagar também o coração». 6Após o primeiro grau de Catecumenato passa-se ao dos Competentes com todo um período de preparação e que antecedia em algumas semanas à Páscoa. O bispo lhes dirigia uma exortação, seguida da inscrição nos registros da Igreja. Esta se fazia, em Jerusalém, no princípio da Quaresma e num mesmo dia. Recebiam então o nome de fiéis. «Vê que, sendo chamado fiel, tua intenção não seja de um infiel». 8Findo o que se seguia à preparação imediata para o batismo que compreendia duas partes principais:a) Preparação ascética, que Cirilo descreve na Catequese Preliminar, na primeira e na segunda Catequese. Três obras a caracterizam: o jejum, a penitência e a confissão dos pecados.Jejum – O jejum se estendia, na comunidade jerosolimitana, pelo espaço de 40 dias, inclusive os sábados e domingos , e abarcava também a abstinência de vinho e carnes. Além deste jejum quaresmal existia o jejum pascal, muito mais rigoroso. Penitência – Acentua-se não só a penitência externa, mas também a interna como meio imprescindível para uma digna recepção do batismo. Diz Cirilo: «Prepara teu coração para re-ceberes as doutrinas, para participares dos sagrados mistérios». É o convite à renúncia a todo mau hábito e à purificação dos pecados. «Deixa desde já toda obra má; que tua língua não fale palavras inconvenientes; que teu olhar já não peque mais e que teu espírito não se ocupe com coisas vãs.” Este espírito de penitência é fruto da graça de Deus implorada na oração. Por isso Cirilo insiste que seus ouvintes sejam assíduos à oração: “Reza com insistência a fim de que Deus te faça digno dos celestes e imortais mistérios. Não cesses nem de dia nem de noite”. Quarenta dias, no entanto, é pouco tempo de preparação para os que viveram entregues às vaidades. Daí a necessidade de receber com toda devoção os exorcismos , assistir às catequeses com pureza de intenção. Confissão – S. Cirilo desenvolve de modo todo especial o inciso sobre a confissão dos pecados. No início da primeira Catequese ele exclama: «Vós que estais cobertos com o manto das transgressões e estais ligados com as cadeias dos vossos pecados, escutai a voz profética que diz: Lavai-vos, purificai-vos». Em outra Catequese ele repete: «Quão excelente é confessar-se».A segunda Catequese é praticamente uma grande exortação à confissão apresentada não como mero relato de pecados, mas expressando uma situação existencial e conseqüente vontade de mudar de vida. Os termos que ocorrem para designar a confissão são significativos: (confissão) e (penitência).b) Preparação catequética. Nota-se aqui a diferença da Igreja de Jerusalém das demais Igrejas. Como já dissemos acima, em Jerusalém se emprega toda a Quaresma para explicar o Credo, enquanto nas demais igrejas a exposição do Credo se restringe a duas ou mais apresentações. Cirilo profere 23 catequeses, o que por si só exprime a importância que é dada à catequese na preparação batismal. As dezoito primeiras se dirigem aos que se preparam para o batismo e comentam basicamente o Credo artigo por artigo. As últimas cinco são pronunciadas para os recém-batizados, durante a semana da Páscoa, na capela do Santo Sepulcro. As cinco tratam da doutrina, dos ritos e cerimônias dos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia.4. Apresentação geral de sua obraComo já assinalamos Cirilo pronuncia 23 catequeses que podem ser divididas em dois blocos distintos: As 18 primeiras pronunciadas em preparação para o batismo e as 5 últimas aos já batizados. Quase todas foram proferidas na Igreja do Santo Sepulcro e, como observa J. Quasten, «uma nota conservada em diversos manuscritos recorda que elas foram copiadas em estenografia, ou, ainda; que elas representam a transcrição de um de seus ouvintes, e não uma cópia «manu propria» do bispo». Precede às 18 primeiras uma alocução preliminar ou introdução geral, na qual Cirilo prepara os ouvintes para receber, com maior proveito, as instruções pré-batismais. Após uma ardorosa recepção: «Já vos impregna, ó iluminandos, o odor da bem-aventurança»20, o bispo acentua a necessidade da penitência e purificação dos pecados, da prece e da disciplina pessoal e de uma intenção livre de todo interesse mundano para se aproximar do sacramento de iniciação. O mesmo é repetido nas duas primeiras catequeses, que versam sobre o pecado e a penitência. Na terceira, ele trata do batismo e de seus efeitos. A quarta é um breve compêndio da doutrina sobre a fé. Aí ele expõe as verdades necessárias ao homem para que ele se salve. Em primeiro lugar, alude ao Credo onde se professa o Deus Criador, seu Filho Jesus Cristo e o Espírito Santo. Em seguida, apresenta a doutrina cristã sobre o homem, sua natureza, sua vida moral e seu fim último. Finalmente, discorre sobre o conhecimento de Deus e de nós mesmos, fundado na Sagrada Escritura.Da quinta à décima oitava Catequese Cirilo dá uma explicação detalhada dos artigos do Credo, que se aproxima muito da fórmula do Concílio de Constantinopla (381). Por exemplo, na quinta ele expõe a palavra Credo. Segue-se o primeiro artigo: “Creio em um só Deus” e assim por diante.As Catequeses Mistagógicas (19-23) versam sobre os sacramentos recebidos pelos neófitos na vigília pascal. Doutrina que permanecera até então oculta. Daí o nome de catequeses mistagógicas. Nas duas primeiras, o bispo busca explicar as cerimônias que precederam ao batismo. Na terceira fala da Confirmação; na quarta da Eucaristia e na quinta trata da liturgia da Santa Missa.5. Autoria das CatequesesA. Piédagnel apresenta, na edição francesa das Catequeses Mistagógicas22, uma visão histórica bastante ampla da questão da autoria das catequeses, em geral, e das Mistagógicas, em particular.A questão surgiu no século XVI com Josias Simler que, fundado em um catálogo de manuscritos gregos da cidade de Augsburgo, conclui que a totalidade das catequeses são erroneamente atribuídas a Cirilo. Teriam sido proferidas por João II de Jerusalém, sucessor de Cirilo. Mais tarde, o protestante Thomas Mille refere-se não mais ao catálogo, mas aos títulos encontrados em tal manuscrito e que não indicam a autoria das catequeses «ad illuminandos». As cinco mistagógicas têm, no entanto, a João como autor. Mesmo assim Thomas as atribui a Cirilo. A edição de A. Touttée, beneditino, algum tempo depois, busca provar a autoria de Cirilo para as Mistagógicas.No século XIX as edições de W. K. Reischl e J. Rupp, embora assinalem que o Codex Monacencis 394 por duas vezes citava as mistagógicas como sendo pronunciadas por João II, consideram não ser um argumento válido para negar a autoria de Cirilo face a tantos outros testemunhos em seu favor.Quatro outros manuscritos, o Ottobonianus 86 (s.X-XI), o Ottobonianus 446 (s.XV), o Vaticanus 602 (s. XVI) e o Monacensis 278 (s.XVI), atribuem as mistagógicas ora a Cirilo, ora a João. Por causa de tais manuscritos, Th. Schermann, W. J. J. Swaans, M. Richard, W. Telfer, G. Kretschmar e outros fazem remontar a redação das mistagógicas para o final do IV século, atribuindo-as a João II.Apesar de tais objeções, diversos autores citam outros manuscritos, como por ex. o Bodleianus Roe 25, o Vindobonensis 55 etc., que apresentam as catequeses mistagógicas sem nome do autor, logo após a Catequese Preliminar e as 18 Pré-batismais. Antecede à Catequese Preliminar o nome de Cirilo. Existe também uma tradição literária, embora tardia (séc. VIII-XI), na qual encontram-se citações das Catequeses Mistagógicas com o nome de Cirilo. Ademais, fez-se toda uma análise das diversas catequeses chegando-se a inúmeras provas que falam de um único e mesmo autor, Cirilo. O estudo comparativo entre passagens de textos de cada grupo de catequeses indica uma origem comum. «Touttée, escreve A. Piédagnel, assinalava também o emprego do mesmo método de exposição nas duas séries de catequeses: ele consiste em partir de uma citação da Escritura, em se referir ao longo da Catequese a numerosos textos, do AT em particular, em intercalar aí algumas paráfrases, em terminar por uma exortação de ordem moral e uma doxologia idêntica».Chegou-se assim a um consenso final de que não se encontra na tradição manuscrita um respaldo suficiente para negar a autoria de Cirilo não só em relação à Catequese Preliminar e às 18 Pré-batismais, como também em relação às Catequeses Mistagógicas.156. Conteúdo doutrinário das CatequesesA doutrina exposta por S. Cirilo nas Catequeses se resume basicamente ao Credo. Eis a profissão de fé da comunidade de Jerusalém:1. Cremos em um Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.2. E em um Senhor Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai, Deus verdadeiro, antes de todos os séculos, pelo qual foram feitas todas as coisas. 3. Que veio na carne e se fez homem (da Virgem e do Espírito Santo).4. Foi crucificado e sepultado.5. Ressuscitou ao terceiro dia.6. E subiu aos céus e está sentado à direita do Pai.7. E virá na glória para julgar os vivos e os mortos, cujo reino não terá fim.8. E em um Espírito Santo, o Paráclito que falou nos pro-fetas.9. E em um batismo de penitência para remissão dos pecados.10. E em uma santa católica Igreja.11. E na ressurreição da carne.12. E na vida eterna.O símbolo não se encontra escrito integralmente nas Catequeses. Isso por causa da disciplina do arcano. Cirilo insiste sobre o segredo que os candidatos devem conservar não divulgando o que lhes fora ensinado. «Oferecemo-vos em poucos versículos o dogma inteiro da fé. Quero que o fixeis com as próprias palavras e o repitais convosco mesmos com todo cuidado, não o escrevendo em papel, mas gravando-o na memória de vosso coração». 24O texto acima apresentado foi restabelecido por Touttée a partir do que se podia colher cá e lá nos títulos e ao longo das Catequeses. Todavia, a reconstrução, embora nos sugira qual seja o Credo de Cirilo, não é autêntica em todas as suas partes. Nas Catequeses 9,4 e 10,3 temos citações de Cirilo e que foram certamente transcritas de modo fiel pelos taquígrafos. Quanto aos títulos não se dá o mesmo. Parecem ser mais apresentações do redator que do próprio Cirilo. O redator procura resumir em poucas palavras o assunto a ser tratado nas Catequeses. Apesar destas dificuldades o texto exprime substancialmente o símbolo de Cirilo.As Catequeses falam da fé e de suas fontes: a Sagrada Escritura e a Tradição, unidade e trindade de Deus, divindade e consubstancialidade das três Pessoas, mistério da Redenção, anjos, origem divina do homem, espiritualidade e imortalidade da alma, livre arbítrio, pecado, novíssimos, Igreja, sacramentos. Sobre o Cristo Cirilo rejeita o arianismo e apresenta sua posição que concorda com a fé de Nicéia. Cristo é verdadeiramente Deus. Ele é um com o Pai. «São um pela dignidade da divindade (...) Um são eles, porque não há entre eles discórdia ou separação, pois não são umas as obras criadas por Cristo, outras as criadas pelo Pai». O Espírito Santo é professado como uma personalidade distinta do Pai e do Filho, gozando igualmente da mesma divindade. Ele proclama sua fé trinitária: «Indivisa a fé, inseparável a piedade. Não fazemos separação na Santíssima Trin-dade, como alguns; nem confusão, como Sabélio».26Estes temas não são tratados de modo igual, pois o objetivo de Cirilo é explicar o Símbolo e não apresentar um tratado sobre cada um dos temas. As Catequeses Mistagógicas, no entanto, falarão extensamente do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia. Cirilo apresenta uma visão geral do batismo, explicitando o significado da unção e da imersão, e aponta seus efeitos, eficácia, necessidade, autor, sujeito e ministro. Pelo batismo o cristão participa da vida mesma de Cristo. Cristo assumiu toda a realidade humana para que pudéssemos participar da salvação. «Batizados em Cristo e dele revestidos vos tornastes conformes ao Filho de Deus». Esta semelhança ao Filho é significada especificamente na Crisma, quando, «ungidos com o óleo, fostes feitos participes e companheiros de Cristo». Este processo de assemelhação ao Filho se realiza no e pelo próprio Filho, que se torna alimento espiritual. «Em forma de pão te é dado o corpo, e em forma de vinho o sangue, para que te tornes, tomando o corpo e o sangue de Cristo, concorpóreo e consangüíneo com Cristo». Ele é bastante explícito ao declarar que o pão e o vinho não são simples elementos, mas «são, conforme a afirmação do Mestre, corpo e sangue». 30 A coroa ou o «edifício espiritual» de toda instrução é a celebração eucarística, que o bispo de Jerusalém descreve minuciosamente interpretando a liturgia eucarística em seu desenrolar.Vê-se pois a importância e o sentido das Catequeses de S. Cirilo não só para a Catequese e para a Liturgia, como também para a Teologia, que tem nelas o testemunho da Tradição cristã sobre as principais verdades de fé.7. Método e estiloEm suas obras, Cirilo não nos deixa perceber que tenha observado um método com regras precisas. Com isso não se quer dizer que não haja certa ordem ao longo da exposição. Por vezes ele começa apresentando o erro dos hereges e mostra o ponto fraco da doutrina deles, para então expor a verdadeira doutrina e os argumentos que a apóiam. Outras vezes segue exatamente o caminho oposto. E quando a doutrina é puramente moral, como na Catequese Preliminar; ele não observa nenhuma ordem. Ele apresenta suas considerações assim como elas lhe vêem à mente. Penitência, aversão ao pecado, oração, leitura da Bíblia, rejeição da heresia, distanciamento de espectáculos e jogos maus ou perigosos, são recomendações que voltam sempre que é possível.Quanto ao estilo, ele é bastante popular e simples. Diante de um auditório, que era de iniciantes na fé, sua linguagem assume uma feição muito familiar. É em tom de conversação que ele desenvolve as instruções. Muitas vezes ele deixa o tratamento «vós», que é empregado quando ele se dirige aos seus ouvintes de modo geral, e fala em «tu» como se estivesse se dirigindo pessoalmente a alguém. Refletem as Catequeses comunicação e clareza de linguagem. Algumas vezes porém ele deixa perceber uma eloqüência muito viva. Lemos na sexta Catequese: «Lembrai-vos do que foi dito: Que consórcio há entre a justiça e a iniqüidade? Que comunidade entre a luz e as trevas? (...) Aqui há ordem, aqui há disciplina, aqui há seriedade, aqui há castidade, aqui é considerado pecado olhar alguma mulher com olhos concupiscentes. Aqui o matrimônio é mantido em santidade (...). Associa-te às ovelhas. Foge dos lobos. Não te afastes da Igreja...». 31Notas
Padres da Igreja
Primeira Catequese Mistagógica aos Recém-iluminadose leitura da primeira epístola católica de São Pedro desde: «Estai alerta e vigia» até o final da epístola 1, do mesmo Cirilo e do bispo João.Finalidade destas catequeses1 Desde há muito tempo desejava falar-vos, filhos legítimos e muito amados da Igreja, sobre estes espirituais e celestes mistérios. Mas como sei bem que a vista é mais fiel que o ouvido2, esperei a ocasião presente, para encontrar-vos, depois desta grande noite, mais preparados para compreender o que se vos fala e levar-vos pelas mãos ao prado luminoso e fragrante deste paraíso. Além disso, já estais melhor preparados para apreender os mistérios todo divinos que se referem ao divino e vivificante batismo. Uma vez, pois, que vos proporemos uma mesa com doutrinas de iniciação perfeita, é necessário ensinar-vos com precisão, para penetrardes o sentido do que se passou convosco nesta noite batismal.2 Entrastes primeiro no adro do batistério. Depois vos voltastes para o Ocidente e atentos escutastes. Recebestes então a ordem de estender a mão, e renunciastes a satanás como se estivesse ali presente. É preciso que saibais que na história antiga há uma figura deste gesto. Quando o faraó, o mais inumano e cruel tirano, oprimia o povo livre e nobre dos hebreus, Deus enviou Moisés a tirá-los desta penosa escravidão dos egípcios. Com sangue de cordeiro eram ungidas as ombreiras das portas, a fim de que o exterminador passasse pelas casas que ostentassem o sinal do sangue. Assim, o povo dos hebreus foi admiravelmente libertado. Quando, depois da libertação, faraó os perseguiu e viu o mar abrir-se maravilhosamente diante deles, avançou mesmo assim ao encalço deles e, submerso instantaneamente, foi engolido pelo Mar Vermelho. 3 Passai agora comigo das coisas antigas às novas, da figura à realidade. Lá Moisés foi enviado por Deus ao Egito; aqui Cristo, do seio do Pai, foi enviado ao mundo. Aquele para tirar o povo oprimido do Egito; Cristo para livrar os que no mundo são acabrunhados pelo pecado. Lá o sangue do cordeiro afastou o anjo exterminador; aqui o sangue do Cordeiro Imaculado, Jesus Cristo, constitui um refúgio contra os demônios. Aquele tirano perseguiu até o mar este povo antigo; e a ti, o demônio atrevido, impudente e príncipe do mal, te segue até as fontes mesmas da salvação. Aquele afogou-se no mar; este desaparece na água da salvação.Renúncia a satanás4 Entretanto, ouves, com a mão estendida, dizer como a um presente: «Eu renuncio a ti, satanás». Quero também falar-vos porque estais voltados para o Ocidente, pois é necessário. O Ocidente é o lugar das trevas visíveis e como aquele [satã] é trevas, tem o seu poder nas trevas. Por essa razão, simbolicamente olhais para o Ocidente e renunciais a este príncipe tenebroso e sombrio. O que então cada um de vós, de pé, dizia? Renuncio a ti, satanás, a ti mau e crudelíssimo tirano: já não temo, dizias, a tua força. Pois Cristo a destruiu, fazendo-me participe de seu sangue e de sua carne, a fim de abolir a morte pela morte e eu não estar eternamente sujeito à escravidão. Renuncio a ti, serpente astuta e capaz de todo mal. Renuncio a ti, que armas insídias e, simulando amizade, praticaste toda sorte de iniqüidade e sugeriste a nossos primeiros pais a apostas ia. Renuncio a ti, satanás, artífice e cúmplice de todo mal.5 Em seguida, numa segunda fórmula, és ensinado a dizer: «E a todas as tuas obras». Obras de satanás são todos os pecados, aos quais é necessário renunciar, assim como quem foge de um tirano atira para longe de si todas as armas dele. Todo o gênero de pecado está, pois, incluído nas obras do diabo. Aliás, sabes que tudo quanto dizes naquela hora tremente está inscrito nos livros invisíveis de Deus. Se, pois, fores surpreendido fazendo algo contrário a estes, serás julgado como transgressor. Renuncias, portanto, às obras de satanás, isto é, a todas as ações e pensamentos contrários à promessa.6 Depois dizes: «E a toda a sua pompa». Pompa do diabo é a mania do teatro, das corridas de cavalo, da caça e de toda vaidade desta espécie. Dela pede o santo ser livrado, dizendo a Deus: «Não permitais que meus olhos vejam a vaidade». Não te entregues desenfreadamente à mania do teatro, onde se encontram os espetáculos obscenos dos atores, executados com insolências e com toda sorte de indecências, e com danças furiosas de homens efeminados. Nem tampouco sejas daqueles que na caça se expõem a si mesmos às feras, para contentar o infeliz ventre, os quais, querendo regalar o estômago com petiscos, se tornam alimentos dos animais selvagens. Exprimindo-me melhor, por causa deste seu deus, o ventre14, arriscam sua vida em combate singular. Foge também das corridas de cavalos, espetáculo insano que leva as almas à perdição. Porque tudo isto é pompa do diabo.7 Mas ainda tudo o que é exposto nos templos dos ídolos e nas suas festas, quer sejam carnes ou pães ou coisas semelhantes, inquinados pela invocação dos demônios infames, são contados como pompa do diabo. Pois, assim como o pão e o vinho da eucaristia, antes da santa epiclese da adorável Trindade, eram simplesmente pão e vinho, mas depois da epiclese o pão se torna corpo de Cristo e o vinho sangue de Cristo, da mesma maneira estes alimentos que pertencem à pompa de satanás, por sua própria natureza simples, tornam-se, pela invocação dos demônios, impuros.8 Depois disto tu dizes: «E a teu culto». Culto do diabo é a prece feita nos templos dos ídolos, tudo que se faz em honra dos simulacros inanimados: acender luzes ou queimar incenso perto de fontes e rios, como fazem alguns que, enganados por sonhos e demônios, chegam a isso, crendo que encontram a cura de doenças corporais. Não vás atrás destas coisas. Augúrios, adivinhação, agouros, amuletos, inscrições em lâminas, magias ou outras artes más são culto do diabo. Foge, portanto, de tudo isto. Se a eles sucumbes, depois de teres renunciado a satanás e aderido a Cristo, experimentarás um tirano mais cruel. Aquele que antes te tratou talvez como familiar e te libertou da dura escravidão, agora está fortemente irritado contra ti. De Cristo serás privado e experimentarás àquele [satanás]. Não ouviste o que a antiga história nos conta de Lot e suas filhas? Não se salvou ele com as filhas, tendo alcançado a montanha, enquanto sua mulher se transformou em estátua de sal para sempre, constituindo uma recordação de sua má vontade e de seu olhar curioso para trás? Cuida, pois, de ti mesmo e não te voltes novamente para trás, depois de teres posto a mão no arado, para a prática amarga desta vida. Foge antes para a montanha para junto de Jesus Cristo, a pedra talhada não por mãos e que encheu a terra. Profissão de fé9 Quando, então, renuncias a satanás, rompendo todo pacto com ele, quebras as velhas alianças com o inferno. Abre-se para ti o paraíso de Deus, que ele plantou para o lado do oriente, donde por sua transgressão foi expulso nosso primeiro pai. Disto é símbolo o te voltares do Ocidente para o Oriente, lugar da luz. Então te foi ordenado que dissesses: «Creio no Pai e no Filho e no Espírito Santo e no único batismo de penitência». Disto vos falamos extensamente, nas catequeses anteriores, como no-lo permitiu a graça de Deus.10 Fortalecido por estas palavras, vigia. Pois nosso adversário o diabo, como foi lido, anda ao redor, buscando a quem devorar. Deveras, nos tempos anteriores a este, a morte devorava, poderosa. Depois do batismo sagrado da regeneração , Deus enxugou toda lágrima de todas as faces.Com efeito, já não choras por teres te despido do velho homem, mas estás em festa porque te revestiste com a vestimenta da salvação , Jesus Cristo.11 Tudo isto se realizou no edifício exterior. Se aprouver a Deus, quando nas Catequeses Mistagógicas seguintes entrarmos no Santo dos Santos, conheceremos, então, os símbolos das coisas que lá se realizam.A Deus glória, poder e magnificência, com o Filho e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.Referências bíblicas e notasSegunda Catequese Mistagógicasobre o Batismoe leitura da epistola aos romanos: «Ou ignorais que todos nós que fomos batizados para Cristo Jesus fomos batizados para [par-ticipar da] sua morte?»1 até: «Pois que não estais sob a lei, mas sim sob a graça».1 Úteis vos são as cotidianas mistagogias e os novos ensinamentos que vos anunciam novas realidades, e isto tanto mais a vós que fostes renovados da vetustez para a novidade. Por isso é necessário que vos proponha o que se segue à instrução mistagógica de ontem, a fim de que compreendais a significação simbólica do que foi realizado por vós no interior do edifício.Despojamento dos vestidos2 Logo que entrastes, despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do velho homem com suas obras.3 Despidos, estáveis nus, imitando também nisso a Cristo nu sobre a cruz. Por sua nudez despojou os principados e as potestades e no lenho triunfou corajosamente sobre eles. As forças inimigas habitavam em vossos membros. Agora já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma, uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-la, mas possa dizer com a esposa de Cristo, no Cântico dos Cânticos: «Tirei minha túnica, como irei revesti-la?». Ó maravilha, estáveis nus à vista de todos e não vos envergonhastes. Em verdade éreis imagem do primeiro homem Adão, que no paraíso andava nu e não se envergonhava.Unção3 Depois de despidos, fostes ungidos com óleo exorcizado desde o alto da cabeça até os pés. Assim, vos tornastes participantes da oliveira cultivada, Jesus Cristo. Cortados da oliveira bravia, fostes enxertados na oliveira cultivada e vos tornastes participantes da abundância da verdadeira oliveira. O óleo exorcizado era símbolo, pois, da participação da riqueza de Cristo. Afugenta toda presença das forças adversas. Como a insuflação dos santos e a invocação do nome de Deus, qual chama impetuosa, queima e expele os demônios, assim este óleo exorcizado recebe, pela invocação de Deus e pela prece, uma tal força que, queimando, não só apaga os vestígios dos pecados, mas ainda põe em fuga as forças invisíveis do maligno.Imersão baptismal4 Depois disto fostes conduzidos pela mão à santa piscina do divino batismo, como Cristo da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi perguntado se cria no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E fizestes a profissão salutar, e fostes imersos três vezes na água e em seguida emergistes, significando também com isto, simbolicamente, o sepultamento de três dias de Cristo. E assim como nosso Salvador passou três dias e três noites no coração da terra , do mesmo modo vós, com a primeira imersão, imitastes o primeiro dia de Cristo na terra, e com a imersão, a noite. Como aquele que está na noite nada enxerga e ao contrário o que está no dia tudo enxerga na luz, assim vós na imersão, como na noite, nada enxergastes; mas na emersão, de novo vos encontrastes no dia. E no mesmo momento morrestes e nascestes. Esta água salutar tanto foi vosso sepulcro como vossa mãe. E o que Salomão disse em outras circunstâncias, sem dúvida, pode ser adaptado a vós: «Há tempo para nascer, e tempo para morrer». Mas para vós foi o inverso: tempo para morrer, e tempo para nascer. Um só tempo produziu ambos os efeitos e o vosso nascimento ocorre com vossa morte.Efeitos místicos5 Oh! fato estranho e paradoxal! Não morremos em verdade, não fomos sepultados em verdade, não fomos crucificados e ressuscitados em verdade. A imitação é uma imagem; a salvação, uma verdade. Cristo foi crucificado, sepultado e verdadeiramente ressuscitou. Todas estas coisas nos foram agraciadas a fim de que, participando, por imitação, de seus sofrimentos, em verdade logremos a salvação. Oh! amor sem medida! Cristo recebeu em suas mãos imaculadas os pregos e padeceu, e a mim, sem sofrimento e sem pena, concede graciosamente por esta participação a salvação. 6 Ninguém, pois, creia que o batismo só obtém a remissão dos pecados, como o batismo de João só conferia o perdão dos pecados. Também nos concede a graça da adoção de filhos. Mas nós sabemos, com precisão, que como é purificação dos pecados e prodigalizador do dom do Espírito Santo, é também figura da Paixão de Cristo. Por isso clama a propósito Paulo, dizendo: «Ou ignorais que todos nós, que fomos batizados para Cristo Jesus, fomos batizados para [participar da] sua morte? Com ele fomos sepultados pelo batismo». Talvez dissesse estas coisas por causa de alguns, dispostos a ver o batismo como prodiga-izador da remissão dos pecados e da adoção, mas não como participação, por imitação, dos verdadeiros sofrimentos de Cristo.7 Para que aprendêssemos que tudo o que Cristo tomou sobre si foi por nós e pela nossa salvação, tudo sofrendo em verdade e não em aparência e para que nos tornássemos participantes dos seus sofrimentos, exclamava veementemente Paulo: «Se fomos plantados com [Ele] pela semelhança de sua morte, também o seremos pela semelhança de sua ressurreição». Boa é a ex-pressão «plantados com Ele». Logo que foi plantada a verdadeira vide, nós também pela participação do batismo da sua morte «fomos plantados». Fixa a mente com toda a atenção nas palavras do Apóstolo. Não disse: Fomos plantados com Ele pela morte, mas, pela semelhança da morte. Deveras, houve em Cristo uma morte real, pois a alma se separou do corpo. Houve verdadeiramente sepultamento, pois seu corpo sagrado foi envolvido em lençol limpo e foi verdadeiro tudo o que nele ocorreu. Para nós há a semelhança da morte e dos sofrimentos. Quando se trata da salvação, porém, não é semelhança e sim realidade.8 Todas estas coisas foram ensinadas suficientemente: retende tudo em vossa memória, rogo-vos, para que eu, ainda que indigno, possa dizer-vos: «Amo-vos porque sempre vos lembrais de mim e conservais as tradições que vos transmiti». Ademais, poderoso é Deus que de mortos vos fez vivos, para conceder-vos que andeis em novidade de vida. A Ele a glória e o poder, agora e pelos séculos. Amém. Terceira Catequese Mistagógica sobre a Crismae leitura da primeira epístola de São João, a começar com: «Vós tendes a unção de Deus e conheceis todas as coisas», até: «e por Ele não sejamos confundidos na sua vinda». Significação espiritual1 Batizados em Cristo e dele revestidos, vos tornastes conformes ao Filho de Deus. Em verdade, Deus, predestinando-nos à adoção de filhos, nos fez conformes ao corpo glorioso de Cristo.Feitos, pois, participes de Cristo, não sem razão, sois chamados cristos e é de vós que Deus disse: «Não toqueis os meus cristos».5 Ora, vós vos tornastes cristos, recebendo o sinal do Espírito Santo, e tudo se cumpriu em vós em imagem, pois sois imagens de Cristo.Ele, quando banhado no rio Jordão e comunicando às águas a força da Divindade, delas saiu e se produziu sobre ele a vinda substancial do Espírito Santo, pousando igual sobre igual. Também a vós, ao sairdes das águas sagradas da piscina, se concede a unção, figura daquela com que Cristo foi ungido. Refiro-me ao Espírito Santo, do qual o bem-aventurado Isaías, na profecia a respeito dele, disse, na pessoa do Senhor: «O Espírito do Senhor [repousa] sobre mim, pelo que me ungiu; enviou-me para levar a boa-nova aos pobres».62 Na verdade, Cristo não foi ungido com óleo ou ungüento material por um homem. Mas foi o Pai que, estabelecendo-o com antecedência como Salvador de todo o universo, o ungiu com o Espírito Santo, conforme diz Pedro: «Jesus de Nazaré, a quem Deus ungiu com o Espírito Santo». E o profeta Davi exclamou: «Teu trono, ó Deus, é para os séculos dos séculos; cetro de retidão, o cetro de tua realeza. Amaste a justiça e por isso te ungiu Deus, teu Deus, com o óleo da alegria, mais que teus companheiros». E como Cristo foi verdadeiramente crucificado e sepultado e ressuscitou, e vós, pelo batismo, fostes, por semelhança, tidos por dignos de com ele ser crucificados, sepultados e ressuscita-dos, assim também na unção do crisma. Ele foi ungido com o óleo espiritual da alegria, isto é, com o Espírito Santo, chamado óleo de alegria, por ser causa da alegria espiritual. Vós fostes ungidos com o óleo, feitos, partícipes e companheiros de Cristo.3 Vê, porem, que não imagines ser um simples ungüento. Pois, como o pão da Eucaristia, depois de epiclese do Espírito Santo, já não é simples pão, mas o corpo de Cristo, assim também este santo ungüento, com a epiclese, já não é puro e simples ungüento, mas é dom de Cristo e obra do Espírito Santo, pela presença de sua divindade. Com ele se unge simbolicamente tua fronte e os outros sentidos. Se, por um lado, o corpo é ungido com o ungüento sensível, por outro, a alma é santificada pelo santo e vivificado Espírito.O rito da unção4 E primeiro sois ungidos na fronte para serdes libertados da vergonha que o primeiro homem transgressor levou por toda parte9 e para que, de face descoberta, contempleis a glória do Senhor. 10 Depois nos ouvidos, para terdes ouvidos conforme disse Isaías: «E o Senhor me deu um ouvido para ouvir» e o Senhor no Evangelho: «Quem tem ouvidos para ouvir que ouça». Em seguida nas narinas, para que, ao receberdes este divino ungüento, possais dizer: «Somos para Deus, entre os que se salvam, o bom odor de Cristo». Depois no peito, a fim de que, «tendo revestido a couraça da justiça, resistais aos artifícios do diabo». 14 Como na verdade o Salvador, após seu batismo e a descida do Espírito Santo, saiu a combater o adversário, assim também vós, depois do santo batismo e da mística unção, revestidos da armadura do Espírito Santo, resistis à força inimiga e a venceis dizendo: «Tudo posso naquele que me conforta, Cristo».5 Feitos dignos desta santa unção, sois chamados cristãos. Assim, pela regeneração, mostra ser de direito o nome [de cristãos]. Antes, pois, de serdes declarados dignos do batismo e da graça do Espírito Santo, não éreis dignos deste nome, mas estáveis a caminho de serdes cristãos.Prefigurações escriturísticas6 É necessário que saibais que há ó símbolo desta unção na Escritura Antiga. E na verdade, quando Moisés comunicou ao irmão a ordem de Deus e o estabeleceu sumo sacerdote, depois de lavar-se com água, o ungiu e foi ele chamado cristo , em virtude, evidentemente, da unção figurativa. Do mesmo modo, o sumo sacerdote, ao elevar Salomão à dignidade de rei, o ungiu, depois de lavar-se no Gion. Mas essas coisas lhes aconteceram em figura. A vós, porém, não em figura, mas, em verdade. Isso, já que o começo de vossa salvação remonta àquele que foi ungido pelo Espírito Santo. Cristo é realmente as primícias, e vós sois a massa: mas se as primícias são santas, é evidente que a santidade também passa à massa. 7 Guardai imaculada esta unção: ensinar-vos-á todas as coisas, se permanecer em vós, como ouvistes há pouco dizer o bem-aventurado João , explicando muitas coisas sobre a unção. Esta unção é a salvaguarda espiritual do corpo e a salvação da alma.Foi isto que desde tempos antigos o santo Isaías profetizou, dizendo: «E preparará o Senhor para todos os povos nesta montanha». 24 Por montanha ele designa a Igreja, como outras vezes quando diz: «E nos últimos dias será visível a montanha do Senhor&r
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