NÃO HÁ MAIS GREGO OU JUDEU,
BÁRBARO NEM CITA
A segunda grande onda evangelizadora após as invasões
bárbaras
CIDADE DO VATICANO, terça-feira 13
dezembro, 2011 (ZENIT.org)
- Oferecemos a seguir o texto da segunda Pregação do Advento 2011, realizada na
sexta-feira de manhã, 9 de Dezembro, no Vaticano pelo Padre Raniero
Cantalamessa, OFM Cap, pregador da Casa Pontifícia.
***
Nesta meditação, gostaria de falar
da segunda grande onda de evangelização na história da Igreja, aquela que veio
depois da queda do império romano e da mistura de povos que aconteceu com as
invasões bárbaras. Nosso objetivo prático é ver o que podemos aprender para
hoje. Diante da amplitude desse período histórico e da brevidade imposta por
esta meditação, poderemos dar apenas algumas breves pinceladas.
1. Uma decisão de época
No fim oficial do império romano, em
476, a Europa já apresenta há tempos um rosto novo. No lugar do império único,
temos reinos românico-bárbaros. Grosso modo, partindo do norte, a situação é
esta: onde existiu a província romana da Bretanha, temos os anglos e os saxões;
nas antigas províncias da Gália, os francos; a leste do Reno, os frísios e os
alemães; na península ibérica, os visigodos; na Itália, os ostrogodos e depois
os longobardos; no norte da África, os vândalos. E no Oriente ainda
resiste o império bizantino.
A Igreja se vê diante de uma decisão
de época: que postura adotar perante essa nova situação? Não foi rápido nem sem
dilacerações que a Igreja chegou à determinação que a voltou para o futuro.
Estava se repetindo, em certa medida, o que tinha acontecido no momento da
separação do judaísmo para acolher os gentios na Igreja. A dissipação geral dos
cristãos chegou ao clímax no saque de Roma, em 410, comandado pelo rei dos
godos, Alarico. Pensava-se que tinha chegado a hora do fim do mundo, quando o
mundo era identificado com o mundo romano, e o mundo romano com o cristianismo.
São Jerônimo é a voz mais representativa dessa dissipação geral: “Quem teria
acreditado que esta Roma, construída sobre vitórias que retumbaram pelo
universo inteiro, haveria um dia de desabar?” (S. Jerônimo, Comentário
a Ezequiel, III, 25, pref.).
Quem mais contribuiu, do ponto de
vista intelectual, para rebocar a fé para o novo mundo foi Agostinho, com De
civitate Dei. Na visão dele, que emoldura o começo de uma filosofia da
história, é diferenciada a cidade de Deus da cidade terrena, identificada em
alguns trechos, forçando um pouco o seu próprio pensamento, com a cidade do
demônio. Por cidade terrena ele entende toda realização política, inclusive a
de Roma. Portanto, não é nenhum fim do mundo, mas apenas o
fim de um mundo.
Um papel determinante na abertura da
fé para a nova realidade e na coordenação das iniciativas voltadas a ela foi
desempenhado pelo pontífice romano, São Leão Magno. Ele tem uma consciência
clara de que a Roma cristã sobreviverá à Roma pagã. Mais ainda: ela “presidirá
o mundo, com a sua religião divina, mais amplamente do que teria presidido com
a sua dominação terrena” (S. Leão Magno,Sermão 82).
Pouco a pouco, a postura dos
cristãos quanto aos povos bárbaros muda. De seres inferiores, incapazes de
civilidade, eles começam a ser considerados como possíveis futuros irmãos de
fé. De ameaça permanente, o mundo bárbaro começa a ser visto pelos cristãos
como um novo, vasto campo de missão. Paulo tinha proclamado abolidas, com
Cristo, as distinções de raça, de religião, de cultura e de classe social, com
as palavras “Não há mais grego nem judeu, circuncisão ou incircuncisão,
bárbaro, cita, escravo, livre, mas apenas Cristo, em tudo e em todos” (Col
3,11). Mas que dificuldade para traduzir esta revolução na realidade da
história! E não só naquele tempo.
2. A reevangelização da Europa
No tocante aos povos bárbaros, a
Igreja viu-se em meio a duas batalhas. A primeira foi contra a heresia ariana.
Muitas tribos bárbaras, em especial os godos, antes de penetrarem no coração do
império como conquistadores tinham tido contatos no Oriente com o cristianismo,
e o haviam acolhido na versão ariana, então no auge, por causa da obra do bispo
Ulfila (311-383), que traduzira a bíblia para o gótico e vivera em meio àqueles
povos. Quando se estabeleceram nos territórios ocidentais, eles trouxeram
consigo essa versão herética do cristianismo.
O arianismo não tinha, no entanto,
uma organização unitária, nem uma cultura e uma teologia comparável com a
católica. No século VI, um depois do outro, os reinos bárbaros abandonaram o
arianismo para aderir à fé católica, graças ao trabalho de grandes bispos e
escritores católicos, e, algumas vezes, de cálculos políticos. Um momento
decisivo foi o concílio de Toledo, em 589, com Leandro de Sevilha, que marcou o
fim do arianismo visigótico na Espanha e, na prática, no ocidente inteiro.
Mas a batalha contra o arianismo não
era coisa nova. Tinha começado no distante ano de 325. A verdadeira nova
empreitada realizada pela Igreja depois do ocaso do império romano foi a
evangelização dos pagãos. Ela aconteceu em dois sentidos: ad intra e ad
extra, por dizer assim, ou seja, tanto junto aos povos do antigo império
quanto junto aos povos que tinham recém-entrado em cena. Nos territórios do
império velho, Itália e províncias, a Igreja estava implantada até aquele
momento quase só nas cidades. Ela precisava estender a sua presença para o
interior, para os vilarejos. O termo “pagão” deriva, como se sabe, de “pagus”,
vilarejo, e assumiu o significado que tem hoje do fato de que a evangelização
do interior ocorreu em geral bem depois da evangelização urbana.
Seria interessante, certamente,
seguirmos este filão da evangelização que levou ao nascimento e ao
desenvolvimento do sistema das paróquias, como subdivisões da diocese, mas,
dentro da meta que eu me dei para agora, preciso me limitar à outra direção que
também foi seguida pela evangelização: a direção ad extra,
destinada a levar o Evangelho para os povos bárbaros que tinham se firmado na
Europa insular e central, isto é, nas atuais Inglaterra, Holanda, França e
Alemanha.
Um momento decisivo nesta empreitada
foi a conversão do rei merovíngio Clodoveu, que, na noite de Natal de 498, ou
499, se deixou batizar pelo bispo de Reims, São Remígio. Ele decidiu, com isso,
de acordo com os costumes daquele tempo, não apenas o futuro religioso do povo
franco, mas também o dos outros povos de cá e de lá do Reno, conquistados por
ele. É célebre a frase do bispo Remígio no momento de batizar Clodoveu: “Mitis
depone colla, Sigamber; adora quod incendisti, incende quod adorasti”. “Inclina
humildemente a nuca, Sigambro altivo; adora o que tu queimavas, queima o que tu
adoravas” (Gregório de Tours, Historia Francorum, II,
31). A este acontecimento é que a França deve o título de “filha primogênita da
Igreja”.
A cristianização do continente foi
levada em frente no século IX com a obra dos santos Cirilo e Metódio, que
converteram os povos eslavos assentados na Europa oriental, nos territórios
deixados para trás durante as ondas migratórias anteriores, que se deslocavam
para o ocidente.
A evangelização dos bárbaros
apresentava uma nova situação se comparada à do mundo greco-romano. Antes, o
cristianismo tinha por diante um mundo culto, organizado, com regras, leis,
línguas comuns; havia, enfim, uma cultura com a qual dialogar e com a qual
confrontar-se. Agora, ele tem que cumprir ao mesmo tempo uma obra de
civilização e de evangelização; tem que ensinar a ler e escrever, enquanto
ensina a doutrina cristã. A inculturação se apresenta de um jeito inteiramente
novo.
3. A epopeia monástica
A obra gigantesca que eu pincelei
aqui foi realizada com a participação de todos os componentes da Igreja. Em
primeiro lugar, o papa, a cuja iniciativa direta remonta a evangelização dos
anglos, e que teve uma participação ativa na evangelização da Alemanha por obra
de São Bonifácio e dos povos eslavos pelo trabalho de São Cirilo e São Metódio.
Depois, os bispos, os párocos, que aos poucos foram formando comunidades locais
estáveis. Um papel silencioso, mas decisivo, foi desempenhado por algumas
mulheres. Por trás de algumas grandes conversões de reis bárbaros esteve o
ascendente exercido pelas respectivas esposas: Santa Clotilde para Clodoveu,
Santa Teodolinda para o rei longobardo Autari, a esposa católica do rei Edvino,
que levou o cristianismo para o norte da Inglaterra.
Mas os verdadeiros protagonistas da
reevangelização da Europa depois das invasões bárbaras foram os monges. No
Ocidente, o monacato começado no século IV se difundiu rapidamente em duas
épocas e em dois sentidos diferentes. A primeira onda partiu da Gália
meridional e central, especialmente das ilhas Lérins (410) e da região de
Auxerre (418), e, graças a São Patrício, formado naqueles dois centros, chegou
até a Irlanda, onde fecundou a vida religiosa inteira da ilha. De lá, passou
para a Escócia e para a Inglaterra num primeiro momento e, depois, voltou rumo
ao continente.
A segunda onda, destinada a unificar
as diversas formas de vida monástica ocidental, surge na Itália de São Bento
(+547). Do século V ao VIII, a Europa se recobre literalmente de mosteiros,
muitos deles de importância essencial na formação do continente, não apenas na
fé, mas também na arte, na cultura e na agricultura. Não foi à toa que São
Bento foi proclamado Padroeiro da Europa, e que o papa escolheu Subiaco, em
2005, para o seu discurso magistral sobre as raízes cristãs da Europa.
As grandes figuras dos monges
evangelizadores pertencem quase todas à primeira das duas correntes que
recordamos aqui, aquela que retorna ao continente via Irlanda e Inglaterra. Os
nomes mais representativos são os de São Columbano e São Bonifácio. O primeiro,
partindo de Luxeuil, evangelizou numerosas regiões do norte da Gália e as
tribos germânicas meridionais, chegando até Bobbio, na Itália. O segundo,
considerado o evangelizador da Alemanha, estendeu a partir de Fulda uma ação
missionária que atingiu a Frísia, atual Holanda. O Santo Padre Bento XVI
dedicou a ele uma das suas catequeses de quarta-feira, a de 11 de março de
2009, enfatizando a colaboração estreita com o Romano Pontífice e a ação
civilizadora no seio dos povos que Bonifácio evangelizou.
Ao lermos suas vidas, temos a
impressão de reviver a aventura missionária do apóstolo Paulo. A mesma ânsia de
levar o evangelho a toda criatura, a mesma coragem de enfrentar toda sorte de
perigos e reveses, e, para São Bonifácio e tantos outros, a mesma sorte final
do martírio.
As lacunas dessa evangelização vasta
são conhecidas. O próprio confronto com São Paulo põe as principais delas em
destaque. O apóstolo, junto com a evangelização, procurava em todo lugar fundar
uma igreja que assegurasse a sua continuidade e desenvolvimento. Era frequente,
por carência de meios e pela dificuldade de locomoção dentro de uma sociedade
ainda rudimentar, que aqueles pioneiros não conseguissem garantir um seguimento
da própria obra.
Do programa indicado por São Remígio
a Clodoveu, os povos bárbaros tendiam a pôr em prática só uma parte. Adoravam o
que tinham queimado, mas não queimavam o que tinham adorado. Grande parte da
bagagem idólatra e pagã permanecia presente e se mostrava na primeira
oportunidade. Ocorria o que acontece com algumas estradas abertas na floresta:
sem manutenção e com pouco tráfego, a selva as invade em pouco tempo. A obra
mais duradoura desses grandes evangelizadores foi justamente a fundação de uma
rede de mosteiros, e, com Agostinho na Inglaterra e São Bonifácio na Alemanha,
a criação de dioceses e a celebração de sínodos que garantiam a continuação de
uma evangelização mais estável e profunda.
4. Missão e contemplação
Agora vamos procurar encontrar
alguma indicação para hoje nesse quadro histórico que traçamos. Notemos
primeiro uma certa analogia entre a época que revisitamos e a situação atual. O
movimento, naquele tempo, ia de Leste para Oeste, e agora é de Sul para Norte.
A Igreja, com o seu magistério, também neste caso fez uma escolha de campo, que
é de abertura para o que é novo e de acolhimento dos novos povos.
A diferença é que hoje não estão
chegando à Europa povo pagãos ou hereges cristãos, mas povos que possuem uma
religião bem constituída e consciente de si mesma. O fato novo é o diálogo que
não se opõe à evangelização, mas determina o seu estilo. O beato João Paulo II,
na encíclica Redemptoris Missio, sobre a validade perene do mandado
missionário, se expressou com clareza a este respeito:
“O diálogo inter-religioso faz parte
da missão evangelizadora da Igreja. Entendido como método e meio para um
conhecimento e enriquecimento recíproco, ele não está em contraposição com a
missão ad gentes; antes, tem com ela vínculos especiais e é dela uma expressão.
À luz da economia da salvação, a Igreja não vê contraste entre o anúncio de
Cristo e o diálogo inter-religioso. Ela sente, porém, a necessidade de
compô-los no âmbito da sua missão ad gentes. É necessário que estes dois
elementos mantenham seu vínculo íntimo, e, ao mesmo tempo, a sua distinção,
pela qual não se confundem, não se instrumentalizam e não são julgados como
equivalentes, como se fossem intercambiáveis” (João Paulo II, Redemptoris
Missio, 55).
O que aconteceu na Europa depois das
invasões bárbaras nos mostra, acima de tudo, a importância da vida
contemplativa para a evangelização. O decreto conciliar Ad gentes,
sobre a atividade missionária da Igreja, escreve:
“Merecem especial consideração as
várias iniciativas destinadas a estabelecer a vida contemplativa. Alguns
institutos, mantendo os elementos essenciais da instituição monástica, tendem a
implantar a riquíssima tradição da própria ordem; outros procuram voltar à
simplicidade das formas do monacato primitivo. Todos, porém, devem buscar uma
real adaptação às condições locais. A vida contemplativa implica a presença
eclesial na sua forma mais plena: por isso é preciso que ela seja constituída
em toda parte nas jovens Igrejas” (L.G., 18).
Este convite a procurar novas formas
de vida monástica para fins de evangelização, mesmo inspirando-se no monacato
antigo, não ficou sem ser ouvido.
Uma das formas de realização desse
auspício são as Fraternidades Monásticas de Jerusalém, conhecidas como “os
monges e freiras de cidade”. Seu fundador, padre Pierre-Marie Delfieux, depois
de dois anos no deserto do Saara em companhia somente da Eucaristia e da
bíblia, entendeu que o verdadeiro deserto são hoje as grandes cidades
secularizadas. Iniciadas em Paris na festa de Todos os Santos de 1975, essas
fraternidades já estão presentes em várias grandes cidades da Europa, inclusive
Roma, onde assumiram a igreja de Trinità dei Monti. O carisma deles é
evangelizar através da beleza da arte e da liturgia. Seu hábito é monástico,
seu estilo de vida é simples e austero, há o vínculo entre trabalho e oração;
mas é nova a sua colocação no centro das cidades, geralmente em igrejas antigas
de grande reclame artístico, a colaboração entre monges e freiras no âmbito
litúrgico, sem deixar de haver uma total independência recíproca em habitação e
autoridade. Não foram poucas as conversões de pessoas distantes, nem as voltas
de cristãos “de nome” para a fé praticada, graças a esses locais.
De outro gênero, mas também
participando nessa nova florada de formas monásticas, é o mosteiro de Bose, na
Itália. No ecumenismo, o mosteiro de Taizé, na França, é um exemplo de vida
contemplativa diretamente comprometida com a evangelização.
Em 1º de novembro de 1982, em Ávila,
acolhendo uma vasta representação da vida contemplativa feminina, João Paulo II
prospectou até mesmo para a vida de clausula das freiras a possibilidade de um
envolvimento mais direto na obra da evangelização.
“Seus conventos”, disse ele, “são
comunidades de oração em meio às comunidades cristãs, às quais vocês dão ajuda,
alimento e esperança. São lugares consagrados e poderão ser ainda centros de
acolhimento cristão para aquelas pessoas, particularmente os jovens, que tantas
vezes estão em busca de uma vida simples e transparente, em contraste com a
vida que é oferecida a eles pela sociedade do consumo”.
O apelo não passou em branco e está
se traduzindo em iniciativas originais de vida contemplativa feminina aberta à
evangelização. Uma delas se tornou conhecida no recente congresso promovido
aqui no Vaticano pelo Pontifício Conselho para a Nova Evangelização. Essas
formas novas não substituem as realidades monásticas tradicionais, muitas das
quais também são centros de irradiação espiritual e de evangelização, mas se
juntam a elas e as enriquecem.
Não basta que na Igreja exista quem
se dedica à contemplação e quem à missão. Precisamos que a síntese entre as
duas coisas aconteça na vida de cada missionário. Não basta, em outras
palavras, a oração “pelos” missionários: precisamos da oração “dos”
missionários. Os grandes monges que reevangelizaram a Europa depois das
invasões bárbaras eram homens saídos do silêncio da contemplação e que voltavam
a ela tão logo as circunstâncias permitiam. Mais ainda: no coração, eles nunca
saíam do mosteiro. Colocavam em prática, por antecipação, o conselho que
Francisco de Assis daria aos seus frades quando os enviasse às estradas do
mundo: “Nós temos uma ermida sempre conosco, onde quer que estejamos, e, toda
vez que quisermos, podemos voltar para dentro dela, como eremitas. O irmão
corpo é a ermida e a alma é o eremita que a habita para falar com Deus e
meditar” (Legenda Perugina, 80 - FF, 1636).
Temos disso um exemplo de muito mais
autoridade. A jornada de Jesus era um entrecruzar-se admirável de oração e
pregação. Ele não rezava apenas antes de pregar, mas rezava para saber o que
pregar, para buscar na oração o que anunciar ao mundo. “O que digo, é como o
Pai o disse a mim” (Jo 12,50). Era dali que surgia em Jesus a “autoridade” que
tanto impressionava em seu falar.
O esforço por uma nova evangelização
está exposto a dois perigos. Um deles é a inércia, a preguiça, o não fazer nada
e deixar que os outros façam tudo. E o outro é se lançar num ativismo humano
febril e vazio, com o resultado de perder pouco a pouco o contato com a fonte
da palavra e da sua eficácia. Mas como ficar tranquilos pregando enquanto
tantas exigências reclamam a nossa presença? Como não correr enquanto a casa
está pegando fogo? Imaginemos o que aconteceria com um corpo de bombeiros que
corresse para apagar um incêndio e, quando chegasse ao local, percebesse que
não trouxe nos reservatórios nenhuma gota d’água. Somos nós, quando corremos
para pregar sem rezar.
A oração é essencial para a
evangelização porque “a pregação cristã não é primariamente comunicação de
doutrina, mas de existência”. Faz mais evangelização quem reza sem falar do que
quem fala sem rezar.
5. Maria, estrela da evangelização
Terminemos com um pensamento
sugerido pelo tempo litúrgico que estamos vivendo e pela solenidade da
Imaculada Conceição. Uma vez, num diálogo ecumênico, um irmão protestante me
perguntou, sem polêmicas, apenas para entender: “Por que vocês, católicos,
dizem que Maria é a estrela da evangelização? O que ela fez para justificar
esse título?”. Para mim, foi a ocasião de refletir, e eu não demorei a
encontrar a razão profunda. Maria é a estrela da evangelização porque ela
trouxe a Palavra não para este ou para aquele povo, mas para o mundo inteiro!
E não só por isso. Ela carregou a
Palavra no ventre, não na boca. Estava cheia, fisicamente inclusive, de Cristo,
e o irradiava com sua simples presença. Jesus lhe saía dos olhos, do rosto, de
toda a pessoa. Quando nos perfumamos, não precisamos avisar. Basta estar
perto. Maria, especialmente no tempo em que trazia Jesus no ventre, estava
cheia do perfume de Cristo.
Podemos dizer que Maria foi a primeira
consagrada de clausura da Igreja. Depois do Pentecostes, ela como que entrou em
clausura. Através das cartas dos apóstolos, conhecemos inúmeras personagens,
entre elas tantas mulheres, da primitiva comunidade cristã. E achamos menção a
uma certa Maria (cf. Rom 16,6), mas não é ela. De Maria, a Mãe de Jesus, nada.
Ela desaparece no mais profundo silêncio. Mas o que significou para João tê-la
ao lado enquanto escrevia o Evangelho e o que pode significar para nós tê-la ao
lado enquanto proclamamos o mesmo Evangelho! “Primícias dos Evangelhos”,
escreve Orígenes, “é o de João, cujo sentido profundo não se pode perceber sem
se ter apoiado a cabeça no peito de Jesus nem se ter recebido dele Maria como
própria mãe” (Orígenes, Comentário a João, I, 6,23).
Maria inaugurou na Igreja uma
segunda alma, ou vocação, que é a alma escondida e orante, junto com a alma
apostólica ou ativa. É o que exprime com louvor o ícone tradicional da
Ascensão, da qual temos no lado direito desta capela uma representação. Maria
está em pé, com os braços abertos em espera orante. Em torno dela, os
apóstolos, todos com um pé ou mão elevada, em movimento, representando a Igreja
ativa, que está em missão, que fala e age. Maria está imóvel abaixo de Jesus,
no ponto exato de onde ele ascendeu, quase como mantendo viva a memória dele e
a espera pelo seu retorno.
Encerremos ouvindo as palavras
finais da Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, que pela primeira vez
nos documentos pontifícios chama Maria de estrela da evangelização:
“Na manhã de Pentecostes, Ela
presidiu com a oração o início da evangelização sob a ação do Espírito Santo.
Seja ela a estrela da evangelização sempre renovada que a Igreja, dócil ao
mandado do Senhor, deve promover e cumprir, particularmente nestes tempos
difíceis, mas cheios de esperança!”.
Fonte: www.zeniot.org
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